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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
28
jul 2016
quinta-feira 21h00 Carnaúba
Osesp: Guerrero e Wispelwey


Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Giancarlo Guerrero regente
Pieter Wispelwey violoncelo


Programação
Sujeita a
Alterações
Joseph HAYDN
Sinfonia nº 96 em Ré maior - O Milagre
Camille SAINT-SAËNS
Concerto nº 1 Para Violoncelo em Lá Menor, Op.33
Concerto nº 2 Para Violoncelo em Ré Menor, Op.119
Johannes BRAHMS
Variações Sobre um Tema de Haydn, Op.56a
INGRESSOS
  Entre R$ 42,00 e R$ 194,00
  QUINTA-FEIRA 28/JUL/2016 21h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

 

A Sinfonia nº 96, de Joseph Haydn, pertence ao grupo das sinfonias londrinas que, no início de 1791, marcam a independência definitiva do compositor em relação à casa dos Esterházy. É em Londres que Haydn vai buscar a sobrevivência econômica, os editores mais competentes, as séries de concertos mais vistosas.

 

Visto pelos concorrentes como ultrapassado, Haydn não poupou esforços na composição com as doze sinfonias londrinas (Nos 93 a 104), colocando as coisas no devido lugar. O compositor poderia estar avançado na sua carreira, mas dificilmente estava ultrapassado, especialmente no manejo da estrutura sinfônica, aperfeiçoada por ele próprio.

 

A Sinfonia nº 96 foi um dos seus grandes sucessos londrinos e segue o formato clássico da sinfonia em quatro movimentos. Em cada um deles, Haydn demonstra criatividade compositiva comparável somente à de Mozart, no percurso harmônico inesperado, nos desvios formais inusitados.

 

O primeiro movimento, após o breve “Adagio” de introdução, é um “Allegro” em forma-sonata. Dois temas opostos dialogam entre si, resultando numa seção central em que as possibilidades (principalmente harmônicas) de um e de outro são exploradas, antes que os temas sejam reexpostos na sua feição quase original.

 

O segundo movimento, “Andante”, viaja de Ré Maior a Sol Maior e aproveita o compasso dançante de 6/8 para afastar qualquer dramaticidade. A superficialidade também é afastada, pois, como diz Robbins Landon, biógrafo de Haydn, “o público inglês havia mostrado desde o início que Haydn não podia contar com a possibilidade de ser superficial”.1 O “Andante” foi repetido na estreia de 11 de março de 1791, o que é anotado com grande prazer na correspondência de Haydn.

 

O terceiro movimento, um “Menuetto: Allegro” que segue a estrutura tradicional em quatro seções repetidas, tem um detalhe de extrema elegância: o solo de oboé nas duas partes finais.

 

A Sinfonia bem que poderia terminar aí e talvez por isso o último movimento, “Vivace”, seja breve ao ponto do anedótico. Na Sinfonia nº 96, os últimos compassos são apenas o cumprimento do protocolo sinfônico, satisfazendo intérpretes e ouvintes. 

 

Assim como em outras obras, nas Variações Sobre um Tema de Haydn, de 1873, Johannes Brahms ensaiou para o desafio de escrever sinfonias. O tema vem de uma página que uma vez se supôs ser de Haydn, mas que hoje tem autoria incerta. Brahms se apropriou do tema (agora) anônimo, nota por nota, reproduzindo inclusive a sonoridade da orquestração.

 

O tema tem duas partes simétricas, cada uma delas ouvida duas vezes. A partir da sua estrutura e harmonia são construídas oito variações e um finale monumental. A primeira variação, “Poco Più Animato”, e a segunda, “Più Vivace”, têm certa inocência estrutural que as aproxima do tema, não o perdendo de vista (ou de ouvido).

 

O discurso se adensa a partir da terceira variação, “Con Moto”, principalmente no manejo do contraponto, introduzindo variações sobre as variações, num exercício metalinguístico que oxigena o material e desnorteia o ouvinte. Esse molde é seguido pelas variações que formam o tríptico central da obra: a quarta, a quinta e a sexta, numa animação progressiva de velocidades.

 

A sétima variação, “Grazioso”, a mais etérea de todas, e a oitava, “Presto Non Troppo”, já estão suficientemente afastadas do tema original para que o ouvinte saiba onde está: tantas metamorfoses fazem com que o coral de Santo Antônio, que deu origem à peça, se apague da memória.

 

Terminadas as oito variações, o “Final: Andante”, embora desproporcional em duração, é crucial para que o discurso reencontre o caminho de casa. Aí está a chacona que toma como base o esqueleto harmônico e melódico dos cinco primeiros compassos do tema para construir um conjunto monumental de 17 microvariações, ao final das quais o tema original é ouvido em triunfo. As divergências e as transformações não resultaram em caos; seu propósito parece ter sido demonstrar que as boas técnicas de composição sempre estão a serviço da coesão e que Brahms, ao final do caminho dessas variações maiúsculas, se encontrava – enfim – pronto para escrever sinfonias. 

 

CELSO LOUREIRO CHAVES é compositor, pianista, professor titular de história da música na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de Memórias do Pierrô Lunar (LPM, 2006). 

 

1 Robbins Landon, H. C. Haydn: Chronicle And Works (5 vols.). Londres: Thames & Hudson, 1995. 

 

 

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A velha imagem de acadêmico antiquado e enfadonho, associada a Saint-Saëns, começa, felizmente, a se desfazer. O relativo conservadorismo de sua linguagem musical pode agora ser ouvido como contrapeso a uma mente questionadora em relação a muitos outros elementos orquestrais, como cor, exotismo e forma. Vale notar que embora concertos para violoncelo já existissem no século xviii, escritos por nomes como Vivaldi, C.P.E. Bach, Haydn e Boccherini, no século xix Schumann foi o único compositor de renome a abraçar o gênero. O Concerto nº 1 Para Violoncelo de Saint-Saëns, de 1872, é a mais antiga peça concertante para o instrumento escrita por um compositor francês de renome.

 

Outra ideia equivocada é a de que Saint-Saëns se dedicava à música como atividade intelectual dissociada da vida real. Em certa medida, o próprio compositor foi responsável por essa visão, ao se mostrar sempre disposto a defender a causa da arte pela arte, em especial quando se defrontou com a obsessão francesa por Wagner, a partir dos anos 1880. Mas quem travar contato com seus artigos e cartas conhecerá também o coração humano que batia dentro daquela figura baixinha e arredondada, cujo perfil era frequentemente confundido com o de Edward vii.

 

O Concerto nº 1 Para Violoncelo foi certamente escrito por influência de uma amizade e, possivelmente, por uma outra. Quando estudante, o compositor teve aulas de acompanhamento para piano com Auguste Franchomme, o violoncelista a quem Chopin dedicara sua Sonata Para Violoncelo e Piano em Sol Menor, e que desenvolveu uma técnica de arco especialmente leve, geralmente chamada de “francesa”. Outra possível influência para o Concerto foi a morte, em janeiro de 1872, de sua amada tia-avó Charlotte, aos 91 anos, que o levou a cancelar todos os compromissos por um mês. Pode-se dizer que o tom da obra combina uma leveza de toque com uma profunda expressividade, em particular naquilo que um biógrafo chamou de “persistente transcendência” das melodias.

 

Um terceiro fator a influenciar a obra pode ainda ter sido a incipiente recuperação de Paris depois da Guerra Franco-Prussiana e da Comuna. Em fevereiro de 1871, a nova Société Nationale de Musique, que teve Saint-Saëns entre seus membros fundadores, havia promovido seu primeiro concerto sob a égide ‘Ars gallica’, estimulando jovens compositores franceses a superarem os alemães de todos os modos possíveis. Foi em parte graças à pressão exercida pela Société que a sóbria série Concerts du Conservatoire acabou por aceitar a estreia do Concerto, de Saint-Saëns, em 19 de janeiro de 1873, somada ao pedido do célebre violoncelista Auguste Tolbecque — sem o qual, como gentilmente informou o maestro ao compositor, a peça não teria chances de ser executada.

 

O Concerto nº 1 sempre foi uma das peças mais populares de Saint-Saëns — Pablo Casals por exemplo, a escolheu para sua estreia em Londres, em 1905. É rica em melodias, que emergem de maneira ordenada: os temas principais dos movimentos externos são ascendentes; dos segundos movimentos, descendentes — se é que se pode chamar o motif de abertura de “tema”. O minueto central é um movimento de puro deleite e, naqueles tempos de incerteza, sem dúvida serviu para reconfortar as plateias parisienses de que a cultura francesa tinha, afinal, sobrevivido. Um crítico chegou a afirmar que o compositor estaria compensando uma recente “divergência do classicismo”. O reaparecimento de material mais antigo no terceiro movimento pode ser atribuído a estudos de Saint-Saëns sobre os padrões cíclicos encontrados em Liszt, de quem se declarava devedor pelo resto da vida.

 

O evento musical de maior repercussão em Paris, em 1902, foi sem dúvida Pelléas et Mélisande, de Debussy. Mas a ópera não agradou Saint-Saëns, que disse a um amigo que passaria o verão na cidade só para poder falar mal dela. Esse também foi o ano em que Saint-Saëns compôs o Concerto nº 2 Para Violoncelo, o que desmonta a ideia de que o compositor estava descansando sobre os próprios louros. Solista para quem a obra foi composta, Joseph Hollman era um músico vigoroso, fisicamente forte, e aqui Saint-Saëns parece dar as costas ao estilo suave do Concerto nº 1 e de Le Cygne [O Cisne] (podemos encontrar uma reviravolta parecida, décadas depois, com Henri Dutilleux, entre o violoncelo predominantemente lírico de Tout un Monde Lointain... [Todo um Mundo Distante...] e o mais estridente de Trois Strophes Sur le Nom de Sacher [Três Estrofes Sobre o Nome de Sacher]). Quando, em 1917, Gabriel Fauré, aluno e amigo Saint-Saëns, escolheu o Concerto nº 2 para a prova do Conservatório, o compositor ficou sinceramente agradecido, mas admitiu que ele “nunca seria tão conhecido quanto o Primeiro, por ser difícil demais”.

 

É difícil mesmo, com muitos solos, grandes saltos e acelerações que exigem duas pautas para serem acomodados, além de um grande número de cordas duplas. A estreia francesa da peça, em 5 de fevereiro de 1905, deu a um crítico a oportunidade de criar a expressão “música ruim, bem escrita”, que perseguiria o trabalho do compositor durante anos. O crítico Jean Chantavoine chegou a imaginar uma nota de sátira na obra, e não se sensibilizou com o cabelo desgrenhado, os ombros agitados e o cenho furioso de Hollman, tampouco se impressionou com o ataque atlético do músico às cordas duplas.

 

Com o benefício do distanciamento temporal, hoje podemos ver que é de fato complicado para qualquer solista dar conta do Concerto nº 2 sem investir muito esforço físico. Ao mesmo tempo, há passagens do mais requintado lirismo, notadamente na segunda parte do primeiro movimento, em que se observa o uso delicado dos instrumentos de sopro — não para propiciar solos, mas para acrescentar cores discretas a uma linha ou a um acorde. Quem mais (Ravel, talvez?) poderia ter composto esse miraculoso final usando apenas escalas ascendentes e quartas descendentes?

 

A turbulência se estabelece com o segundo movimento, não só no ritmo e na figuração, mas também na harmonia. A cadência abarca o recitativo tradicional que Pelléas destruía com afinco e, no processo, leva o instrumento aos seus limites superiores até que a breve seção final retoma um estilo que reconhecemos como típico da França do século xix.

 

ROGER NICHOLS é pianista e autor de Ravel (Yale University Press, 2013) e Camille Saint-Saëns: on Music and Musicians (Oxford University Press, 2008), dentre outros livros sobre música francesa. Aqui, trechos de texto publicado em encarte do CD de Natalie Clein com obras de Saint-Saëns (Hyperion, 2014), reproduzido sob autorização. Tradução de Jayme da Costa Pinto.