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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
15
dez 2016
quinta-feira 10h00 Ensaio Aberto
Ensaio Aberto: Concertos de Encerramento da Temporada Osesp: Alsop rege Mahler


Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Marin Alsop regente
Susanne Bernhard soprano
Ingeborg Danz mezzo soprano
Coral Lírico Paulista
Nibaldo Araneda regente
Coro Acadêmico da Osesp
Coro da Osesp
Marcos Thadeu regente
Valentina Peleggi preparadora vocal


Programação
Sujeita a
Alterações
Gustav MAHLER
Sinfonia nº 2 em Dó Menor - Ressurreição

 

Durante o Ensaio podem acontecer pausas, repetições de trechos

e alterações na ordem das obras de acordo com a orientação do regente. 

INGRESSOS
  R$ 10,00
  QUINTA-FEIRA 15/DEZ/2016 10h00
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

 

 

Morrer, para viver! O mote da Sinfonia nº 2 de Mahler pode ser entendido como uma reflexão sobre o próprio destino do gênero sinfônico no final do século xix. A questão continuava a mesma: como compor uma sinfonia após a Nona de Beethoven? A tarefa era intimidadora, e todo bom compositor sabia disso. Em 1876, um ano após a entrada do jovem Gustav Mahler no Conservatório de Viena, Johannes Brahms teve a coragem de finalmente estrear sua Primeira Sinfonia, resultado de quase duas décadas de trabalho. Na mesma época, inspirado pelas novidades wagnerianas, Anton Bruckner escrevia e reescrevia suas várias sinfonias, buscando assegurar a sobrevivência do gênero, em meio aos exaltados debates do Romantismo tardio.

 

Abalado pela péssima acolhida de sua Primeira Sinfonia, e sempre ocupado com as várias tarefas do cargo de regente e diretor musical (primeiro em Budapeste, depois em Hamburgo), Mahler dedicou mais de seis anos para compor uma nova tentativa de resposta ao desafio de Beethoven. A Segunda Sinfonia, com o sugestivo subtítulo Ressurreição, estreou em 1895 e foi considerada por seus contemporâneos, para o bem ou para o mal, uma obra sem paralelos na história do gênero.

 

Para começar, tudo nela era grandioso (alguns críticos utilizaram sinônimos menos favoráveis, como “monstruoso” e “desmesurado”): Mahler utiliza uma enorme orquestra (dez trompas, oito trompetes, enorme seção de percussão, harpas e sinos, duas solistas, coro, órgão e instrumentos fora de cena), numa composição extremamente longa, mesmo para os padrões exagerados da escola neogermânica (cinco movimentos e quase uma hora e meia de música).

 

A Segunda Sinfonia nasceu vinculada a um programa, recurso usado por Mahler não tanto como meio para a “representação musical” de modelos literários ou pictóricos, mas sim como inspiração geral, capaz de conferir unidade a uma obra tão diferenciada e extensa. A “ideia condutora” dessa sinfonia pode ser resumida no trecho de uma conversa com sua amiga Natalie Bauer-Lechner: “Por que você vive? Por que você sofre? Tudo isso não passa de uma enorme e terrível piada? O que é a vida, o que é a morte? Existe para nós um além? Isso tudo é um sonho, ou essa vida e essa morte têm um sentido?” 

 

O “Andante Maestoso” é escrito em forma- sonata, com quatro elementos inteiramente contrastantes: uma marcha fúnebre, uma melodia pastoral, um tema melancólico e um hino de triunfo (que incorpora o motivo tradicional do Dies Irae [Dia de Ira]). Constantin Floros lembra que esse movimento, intitulado originalmente “Todtenfeier” (“Rito Fúnebre”), foi composto de forma autônoma, inspirado em uma obra do poeta romântico polonês Adam Mickiewicz, com a intenção de expor musicalmente as diferentes percepções históricas e artísticas da morte, dos antigos ritos pagãos à crença cristã no julgamento final.1 Após vinte minutos de uma complexa teia de contrastes e desenvolvimentos, em que o cortejo fúnebre cede o passo a fragmentos da memória, a música termina numa descida cromática aos infernos.

 

O segundo movimento transcorre num ambiente bem mais terreno, dominado por variações sobre uma forma tipicamente austríaca de valsa popular, o Ländler. Mesmo aqui, Mahler surpreende o leitor com uma abrupta espécie de fugato, que acaba se dissolvendo em seu próprio impulso despropositado, sem levar a lugar algum. A conhecida ironia trágica mahleriana recobre a aparente simplicidade dos temas, num movimento que evoca, musicalmente, a beleza de um passado irremediavelmente perdido.

 

A ironia romântica também se faz presente no modo como Mahler incorpora a forma do Lied, com ou sem texto cantado, em seus desenvolvimentos sinfônicos. No terceiro movimento, um scherzo, ele utiliza não apenas a melodia e o perpetuum mobile do acompanhamento orquestral de uma das canções do ciclo Des Knaben Wunderhorn [A Trompa Mágica do Menino], mas também se apropria da intenção crítica evocada pelo conhecido “Sermão de Santo Antônio aos Peixes”. No espelho do “movimento fluente” das águas do riacho, a música se “distorce”, em meio ao turbilhão do fluxo levado pelas cordas. Os temas oscilam entre o humor e o lirismo, o sinistro e o solene: “O sermão agradou, mas nada mudou”, diz a letra da canção original.

 

Em seguida, a voz aparece pela primeira vez nas sinfonias de Mahler, quando a contralto entoa outra canção do ciclo Wunderhorn: a singela “Urlicht” [Luz Primordial]. O tom é afirmativo, apesar da dramática primeira estrofe. O sofrimento é superado pela fé, num exemplo de reconfortante religiosidade popular, que desemboca na esperada, mas ainda assim surpreendente, ressurreição do movimento final.

 

Comentando o sentido desse finale apocalíptico, Mahler ressalta que “não há julgamento, não há pecadores nem justos. Ninguém é grande, ninguém é pequeno. Não há punição nem recompensa.” A fanfarra soa fora de cena, como se os metais fossem lentamente se aproximando do primeiro plano, até que o tema da ressurreição irrompe nos trombones. Assim como na Nona de Beethoven, a sinfonia recupera e elabora, numa longa peripécia, vários trechos dos movimentos anteriores (o Dies Irae do primeiro, o tema lírico do segundo, o grito de angústia do terceiro), “salvando” também a unidade da própria obra.

 

A expectativa abre espaço para a reconciliação anunciada pela primeira estrofe do poema de Klopstock, ouvido “como uma revelação” por Mahler, durante o funeral do maestro Hans von Bülow, seu mentor em Hamburgo. O órgão e os sinos vão confirmar a ressurreição, enquanto as vozes entoam versos de autoria do próprio Mahler: “O que foi gerado deve perecer, o que pereceu deve ressuscitar!”. A promessa revolucionária da reconciliação entre os homens, cantada por Beethoven, é sublimada no Romantismo tardio por uma resignada redenção após a morte. A sinfonia está salva, ainda que isso não salve o mundo. [2011]

 

JORGE DE ALMEIDA é doutor em filosofia e professor de teoria literária e literatura comparada na USP. Tradutor e ensaísta, é autor de Crítica Dialética em Theodor Adorno: Música e Verdade Nos Anos Vinte (Ateliê, 2007).

 

1 Floros, Constantin. Gustav Mahler: The Symphonies. Portland: Amadeus, 2003.